A encruzilhada tributária do Simples Nacional pós-reforma

Ignorar a complexidade é convidar o risco para dentro do negócio. As próximas decisões exigem velocidade, precisão e coerência com a realidade de cada operação.

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Por Raphael Fonseca de Marins Daou, Camila Azevedo Galatti e Lucas Galante

Introdução

O marco da reforma tributária sobre o consumo, inaugurada pela EC 132/23, redefine o sistema tributário nacional. Essa transformação impõe às empresas, sobretudo às micro e pequenas, a urgente necessidade de um entendimento aprofundado de suas novas diretrizes.

O Simples Nacional, regime simplificado de tributação, permanece como um pilar de tratamento favorecido. Todavia, as novas mudanças introduzidas demandam análise estratégica prioritária.

Esse tema ganha destaque ao considerar que, segundo recente levantamento reportado pelo SIMPI – Sindicato da Micro e Pequena Indústria1, 42% dos micro e pequenos empresários sequer ouviram falar da reforma tributária, e apenas 8% afirmam estar bem-informados. Para mais de 50% dos entrevistados, a reforma “não irá nem beneficiar nem prejudicar o próprio negócio” ou “não sabem opinar”.

Este artigo, após breve contextualização da natureza do Simples Nacional e de sua adaptação à reforma, dedica-se a examinar as vantagens e desafios inerentes à escolha do regime de apuração de tributos, entre o regime unificado e o regime regular da CBS – Contribuição sobre Bens e Serviços e do IBS – Imposto sobre Bens e Serviços.

A escolha do regime demanda análise aprofundada de fatores intrínsecos a cada operação, bem como das nuances de seu respectivo mercado de atuação, impondo um posicionamento estratégico árduo e inadiável diante da “encruzilhada tributária” do Simples Nacional.

Simples Nacional pós-reforma: Sob o cobertor da simplificação, novas camadas de complexidade

O Simples Nacional foi concebido para ME – microempresas e EPP – empresas de pequeno porte com o propósito de facilitar o cumprimento de obrigações tributárias e reduzir a carga fiscal.

Sua importância para a economia nacional, por mitigar a informalidade e o desemprego, justifica o tratamento diferenciado a esses contribuintes, conforme apontam os juristas Eurico De Santi, Oziel Estevão e Taina Lemos, em artigo relevante sobre o tema.2

Esse tratamento diferenciado do Simples Nacional advém de mandamento constitucional, previsto no art. 146 da CF/88 e da LC 123/06 que o regulamenta.

A EC 132/23, ao inaugurar a reforma tributária sobre o consumo, ratificou tal preceito, materializando-o com a inclusão da CBS e do IBS no regime unificado do Simples Nacional.

Sua sistemática de recolhimento em guia única, o DAS – Documento de Arrecadação do Simples Nacional, permanece e adapta sua composição tributária para os novos tributos.

A inclusão da CBS e do IBS na sistemática do Simples Nacional, portanto, assegura a manutenção de benefícios essenciais como a simplificação, pela arrecadação em guia única, e a facilitação do cumprimento das obrigações acessórias.

Esse contexto, todavia, é apenas o ponto de partida para as decisões que se avizinham, pois esta “manutenção da simplicidade” ganhou, na verdade, novas camadas de complexidade que devem ser imediatamente enfrentadas.

A complexa decisão entre o regime unificado ou regime regular de CBS/IBS

A LC 214/25, em cumprimento à EC 132/23, introduziu uma novidade crucial para o Simples Nacional: a possibilidade de o contribuinte optar por apurar a CBS e o IBS no regime regular, em vez do unificado.

Essa escolha, irretratável para o ano-calendário3, mantém os demais tributos4 do Simples na apuração unificada, replicando o modelo de apuração apartada já existente para o ICMS ao exceder o sublimite.5

Logo, o principal desafio para os empresários reside na escolha entre as duas vias:

Regime unificado: Os tributos serão calculados conforme as alíquotas aplicáveis para a faixa de receita do contribuinte. Estas alíquotas estarão em conformidade com cada classe de atividade prevista nos anexos da LC 123/06. A sistemática de recolhimento unificado no DAS será mantida, tal como ocorre atualmente.

Regime regular da CBS e IBS: Aplicam-se as alíquotas, regras de incidência e de apuração previstas na LC 214/25. Nesta opção, CBS e IBS serão apurados e recolhidos separadamente dos demais tributos inseridos na sistemática de apuração do Simples.

É fundamental considerar que a regra geral é a sujeição de todos os contribuintes ao regime regular de apuração da CBS e IBS.6 Diferentemente, optantes pelo Simples e MEI – Microempreendedor Individual ficam automaticamente sujeitos ao regime unificado. Contribuintes do Simples, contudo, podem optar por recolher CBS e IBS pelo regime regular.

Essa alternatividade visa garantir que o contribuinte possa avaliar os benefícios da manutenção integral na sistemática do Simples versus a potencial vantagem do regime de crédito e débito de CBS e IBS.

Vantagens e desafios da escolha estratégica

A EC 132/23, ao permitir que as empresas do Simples Nacional optem pelo regime regular da CBS e IBS, caso seja mais vantajoso, introduziu um elemento de complexidade, mas também de oportunidade.

Essa opção, ao ensejar o aproveitamento de créditos tributários, poderá conferir maior competitividade a empresas de pequeno porte inseridas em cadeias produtivas que exijam créditos de CBS e IBS.

Para clientes contribuintes de CBS e IBS, a aquisição de bens ou serviços de uma empresa do Simples que optou pelo regime regular permitirá o aproveitamento desses créditos, otimizando suas apurações.

Todavia, essa decisão não é trivial. Exige entendimento aprofundado da legislação e análise meticulosa do perfil dos clientes, pois empresas do Simples que atuam diretamente para o consumidor final ou não contribuintes não conseguirão “repassar” os créditos. Assim, a opção pelo regime regular pode onerar o valor do serviço ou produto final, sem agregar vantagem financeira ao cliente.

Custos de conformidade e o planejamento indispensável

A decisão de se tornar contribuinte regular de CBS e IBS implicará, inegavelmente, no aumento dos chamados “custos de conformidade” da reforma tributária. A lógica é simples: quanto mais complexo, mais caro tende a ser.

A empresa deverá apurar créditos e débitos de CBS e IBS, tarefa substancialmente mais complexa do que a apuração unificada do Simples. Estes são os custos de conformidade regulares (regular costs) que se manterão uniformes, mesmo após a adaptação das empresas às novas legislações tributárias.8

Portanto, as empresas no Simples devem considerar estes custos regulares em suas análises, pois certamente serão mais onerosos do que os atuais.

Ademais, uma análise criteriosa do perfil dos clientes será fundamental. Isso porque, a opção pelo regime regular será irretratável para todo o ano-calendário, e uma mesma empresa não poderá operar em regime misto, sendo contribuinte regular para algumas operações e não para outras.

Ao se tornar contribuinte de CBS e IBS pelo regime regular, o valor desses tributos incidirá sobre a operação, com potencial para elevar o preço final do produto ou serviço. A empresa do Simples que optar por essa modalidade, ao precificar seu produto ou serviço, deverá negociar com seus clientes o aumento do valor para manter sua margem de lucro e, ao mesmo tempo, tornar a apuração de créditos pelo cliente mais vantajosa.

O maior desafio surgirá para empresas do Simples que atendam a ambos os perfis de clientes: aqueles que se beneficiam da geração de créditos e aqueles que preferem preço final menor (geralmente, o consumidor final). A escolha será, então, um delicado ato de equilibrismo estratégico.

Conclusão

A reforma tributária, materializada pela EC 132/23 e LC 214/25, embora mantenha o Simples Nacional, introduz novas camadas de complexidade.

O ponto crucial, dentre outras mudanças, reside na inédita possibilidade de a empresa do Simples Nacional escolher entre o regime unificado tradicional e a sistemática de débito e crédito de CBS e IBS (regime regular).

Essa encruzilhada tributária exige um planejamento estratégico sem precedentes: a decisão não pode ser isolada e deve pautar-se em análises detalhadas sobre o perfil dos clientes, os custos de conformidade, a estrutura contábil e a realidade de mercado de cada empresa.

Nesse novo cenário, a disseminação de informações precisas sobre as mudanças promovidas pela LC 214/25 torna-se essencial.

É, portanto, imperativo que os empresários compreendam as vantagens e os desafios de cada escolha com a máxima brevidade. Afinal, a reforma tributária já começou, e engana-se quem deixará para reagir (ao invés de agir) apenas a partir de 1/1/26.

A capacitação contínua dos empreendedores, aliada a um acompanhamento tributário especializado, será o diferencial para garantir a melhor decisão e otimizar a adaptação ao novo modelo.

O sucesso na navegação por esse novo oceano fiscal dependerá, sobretudo, da precisão da análise e da ação antecipada e estratégica. Não há margem para postergar o planejamento; ignorar a complexidade é um convite direto a riscos severos, capazes de comprometer a viabilidade e a continuidade dos negócios.

1 COURI, Joseph. Reforma Tributária ignora os pequenos negócios, e isso pode custar caro. Blog SIMPI Conecta, S. l., 19 fev. 2025. Disponível em: https://conecta.simpi.org.br/blog/reforma-tributaria-ignora-pequenos-negocios-por-joseph-couri. Acesso em: 21 ago. 2025.

2 ESTEVÃO, Oziel; LEMOS, Taina Fernandes de Carvalho; SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Simples nacional, MEI e nanoempreendedor na reforma tributária. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de (coord.). Análise e Comentários Sobre a Reforma Tributária do Brasil – EC 132/2023 e LC 214/2025. São Paulo: Editora JusPodivm, 2025. p. 717-731.

3 Cf. art. 16 da LC 123/2006.

4 É dizer: IRPJ, CSLL, CPP e IPI (este último, apenas em algumas hipóteses).

5 Cf. art. 19, §4º, da LC 123/2006: ao exceder o sublimite de R$ 3.600.000,00 do faturamento, o ICMS deve ser apurado pelo regime periódico de apuração (RPA), por fora do Simples Nacional.

6 Cf. art. 41, §1º, da LC 214/2025.

7 Cf. art. 41, §3º, da LC 214/2025. Ainda, nos termos do art. 13, §11, da LC 123/2006, introduzido pelo art. 517 da LC 214/2025, esta opção deverá ser exercida nos meses de setembro e abril para valer a partir de janeiro e julho, respectivamente (produção de efeitos a partir de 1º de janeiro de 2027).

8 Para aprofundar sobre o cenário de transição e os “custos de conformidade temporários da reforma tributária”, tema crucial para a sua estratégia, veja-se: DAOU, Raphael Fonseca de Marins; GALATTI, Camila Marques de Azevedo; GALANTE, Lucas Greche Marim. Os custos de conformidade temporários da reforma tributária. Migalhas, São Paulo, 11 ago. 2025. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/436387/os-custos-de-conformidade-temporarios-da-reforma-tributaria. Acesso em: 20 ago. 2025.

Raphael Fonseca de Marins Daou
Sócio do Galatti Advogados. É advogado tributarista, pós-graduado em Direito Tributário pelo IBDT, bacharel em Direito pela Universidade Mackenzie e em Ciências Contábeis pela Trevisan.

Camila Azevedo Galatti
Sócia do Galatti Advogados. É advogada tributarista, MBA em Gestão Tributária pela FIPECAFI, pós-graduada em Direito Tributário pela FGV/SP, e bacharel em Direito pela PUC/SP.

Lucas Galante
Sócio da LPN Consultoria Tributária. É advogado tributarista e Consultor tributário, bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie e em Contabilidade pela FECAP

Fonte: Migalhas

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