Nelson Hervey Costa, diretor superintendente do Sebrae-SP, rebate críticas à política pública que criou o microempreendedor individual feitas com base em estudo publicado recentemente pelo Observatório de Política Fiscal da FGV
Por Silvia Pimentel
Em resposta ao estudo catastrófico sobre os impactos dos MEIs nas contas da Previdência, o diretor superintendente do Sebrae-SP, Nelson Hervey Costa, afirma que os ganhos econômicos e sociais gerados pela política pública devem ser incluídos nesse debate a fim de dimensionar o real custo-benefício do programa. “É uma política pública de inclusão social e econômica que leva proteção social básica a milhões de brasileiros que antes estavam desassistidos”, diz.
Pesquisa realizada pelo Sebrae em parceria com a FGV mostra que 93% dos microempreendedores individuais têm nessa atividade sua única ou principal fonte de renda, o que contradiz a tese de que o programa perdeu seu foco. “São trabalhadores que dependem dessa figura jurídica para sobreviver.”
Diário do Comércio – Como o senhor vê a crítica de que a política pública que criou o MEI é uma bomba-relógio para a Previdência?
Nelson Hervey Costa – O tratamento diferenciado ao MEI é um direito constitucional. É uma crítica imprecisa. Avaliar o custo do programa apenas por uma ótica atuarial, ou seja, comparando somente contribuição versus benefícios previdenciários, é necessário e contribui para o debate, mas uma análise de efeitos de equilíbrio geral precisa também ser considerada. Como qualquer política pública do tamanho que é o MEI, precisa constantemente ser avaliada e aprimorada.
O real custo-benefício do programa exige uma análise mais ampla. Estamos falando de uma política de inclusão social e econômica, que leva proteção social básica a milhões de brasileiros que antes estavam desassistidos. Segundo a Sondagem Econômica do MEI, realizada pelo Sebrae em parceria com a FGV (IBRE), 93% dos MEIs têm nessa atividade sua única ou principal fonte de renda, ou seja, estamos falando de pessoas que dependem dessa atividade, não estamos falando aqui de empresários ricos, mas de trabalhadores que dependem do MEI para sobreviver.
Se pegarmos os dados da PNAD, vemos que, de 2015 a 2024, o percentual dos donos de negócios informais cai de 71% para 66%. Na prática, estamos falando de 1,2 milhão de pessoas saindo da informalidade. Mais do que isso, vemos que a informalidade reflete alguns problemas estruturais do Brasil, onde pessoas pretas representam a maioria dos empreendedores informais. Portanto, falar do MEI é falar também de visibilidade de pessoas que há muito tempo são negligenciadas pela sociedade.
Na sua opinião, então, é simplista analisar apenas a relação contribuição versus benefícios?
Costa – Se vamos falar de custo do programa contra os benefícios, precisamos estar atentos e responder algumas perguntas. Quanto o Estado economiza ao garantir uma aposentadoria previsível, em vez de depender de programas assistenciais absolutamente legítimos como o BPC? Quanto se ganha em produtividade quando esse empreendedor passa a emitir nota, acessar crédito, contratar serviços e atuar de forma visível no mercado? Quanto a proteção social amplia a estabilidade do domicílio, afetando inclusive decisões de investimento, escolaridade e cuidado infantil? Qual é o efeito geracional quando uma mãe empreendedora tem acesso à licença maternidade? Já sabemos, por evidências da economia da educação, que a segurança na primeira infância tem impactos cognitivos e emocionais permanentes.
Em resumo, proteção social não é só custo, é investimento em desenvolvimento humano e estabilidade macroeconômica. Analisar o MEI exige respostas e pesquisas que explorem efeitos de longo prazo e spillovers sociais. Por isso, o programa precisa, sim, de ajustes e refinamentos, mas sem jamais perder de vista que estamos falando de uma política estruturante de desenvolvimento econômico e social.
Um dos problemas apontados no estudo é a perda de foco da política pública. Como o senhor analisa os casos de MEIs já aposentados que usufruem da legislação para complementar a renda?
Costa – Na verdade, as regras de cálculo da Previdência não favorecem automaticamente o acúmulo de vínculos simultâneos, como CLT e MEI. Não existe um ‘bônus’ automático por isso. O valor da aposentadoria é baseado na média de todas as contribuições realizadas e contribuições de menor valor, como as feitas via MEI (5% sobre o salário-mínimo), que entram nessa média e podem puxar o valor final do benefício para baixo, especialmente no caso de trabalhadores que já contribuíram por longos períodos com salários superiores ao mínimo.
Pessoas reagem a incentivos, essa é uma regra básica da análise econômica do comportamento. Se um trabalhador com trajetória contributiva longa e renda acima do salário-mínimo estiver enxergando o MEI como uma estratégia para aumentar a aposentadoria, há aí um contrassenso econômico. Não é uma decisão racional do ponto de vista previdenciário. O uso do MEI como instrumento de acúmulo previdenciário não se sustenta tecnicamente, e há alternativas mais vantajosas no sistema de previdência complementar, inclusive no setor privado.
Por isso, não faz sentido encarar o MEI como um plano de aposentadoria. Seu propósito original é formalizar, proteger e dar visibilidade a atividades econômicas de base frágil, não substituir regimes previdenciários robustos. E esse propósito continua válido, inclusive reforçado, diante dos dados que mostram que 93% dos MEIs têm nessa atividade sua principal ou única fonte de renda.
É possível saber quantos MEIs já se aposentaram, cumpriram o prazo de carência e hoje recebem o valor de um salário mínimo?
Costa – A política do MEI é relativamente recente, criada em 2009, e grande parte dos inscritos ainda está em plena idade produtiva, portanto não chegou ao momento de se aposentar. O mais importante, no entanto, é lembrar que o MEI foi concebido para garantir uma proteção social mínima, funcionando como um verdadeiro “colchão de segurança” para milhões de brasileiros que, sem esse instrumento, estariam totalmente desprotegidos.
Um dos problemas crônicos em relação ao MEI é a alta taxa de inadimplência. Qual a explicação para isso?
Costa – Um ponto ainda pouco consolidado na literatura, mas fundamental para a compreensão da inadimplência no MEI, é a distinção entre dois tipos de restrição: a financeira e a informacional. Entender se o microempreendedor deixou de contribuir porque não consegue pagar ou porque não compreende os benefícios da contribuição é crucial para a calibragem da política.
Segundo a pesquisa realizada pelo Sebrae (perfil do MEI, julho de 2024), 60% dos MEIs não sabiam as consequências do não pagamento do DAS, com relação à série histórica, esse número passa de 54% em 2019 para 60% em 2024. O que leva a crer que possa existir uma grande assimetria informacional nesse processo.
Além disso, é importante reconhecer que muitos deixam de contribuir porque migraram para o emprego formal, com carteira assinada. Nesse caso, o MEI cumpriu seu papel: funcionou como um colchão de proteção em momentos de instabilidade. Mesmo que a formalização seja intermitente, ela ainda representa um avanço considerável em relação à informalidade absoluta.
Em resumo, para falar do tema da inadimplência é necessário conhecer e atacar as assimetrias informacionais e as restrições financeiras.
Qual é a sua opinião sobre a crítica de que a política pública tende a incentivar o subfaturamento sob o risco de aumento da carga tributária?
Costa – A migração para ME ou EPP por motivo de faturamento é obrigatória por lei, ou seja, não representa uma penalidade, mas sim um sinal positivo de desempenho econômico. Se o empreendedor está pagando mais tributo, é porque está ganhando mais. No final do dia, o saldo tende a ser positivo.
O crescimento dos MEIs e sua posterior migração para regimes tributários mais complexos deve ser interpretado como um sinal de êxito da política. Isso não representa uma distorção, e sim o funcionamento saudável de uma escada de formalização. Segundo a Sondagem do MEI, 7,3% dos MEIs consideram mudar de porte, e isso representa um crescimento que não é trivial.
Sobre a hipótese de subfaturamento para permanecer no MEI, é necessário cuidado. Essa decisão não é trivial. Do ponto de vista econômico, ela envolve um cálculo de valor esperado, que leva em conta a probabilidade de ser fiscalizado, o valor da penalidade e os custos de manter informalidade parcial, como perder acesso a crédito ou a grandes clientes. Sem esse cálculo, não é possível afirmar que há um incentivo direto ou evidente ao subfaturamento.
Tramita no Congresso Nacional um projeto que aumenta o teto de faturamento do MEI dos atuais R$ 81 mil para R$ 130 mil e permite a contratação de até 2 funcionários. Acha que a proposta deve ser aprovada?
Costa – Um ponto a ser considerado nesse debate é a defasagem do teto de enquadramento do MEI em relação à inflação. À medida que os preços sobem, é natural que o faturamento dos empreendedores também aumente. Sem a atualização do limite, empreendedores podem ser empurrados para fora do regime apenas pela correção nominal dos preços, e não por um crescimento efetivo do negócio.
Essa atualização pode acomodar parte dos trabalhadores que permanecem na informalidade por receio de ultrapassar o limite atual. O que não apenas contribuiria para ampliar a formalização, como responderia a uma demanda concreta dos beneficiários. Segundo pesquisa do Sebrae, realizada em 2024, 52,3% dos MEIs consideram que o limite atual de faturamento não é adequado e deveria ser revisto.
Além disso, a possibilidade de contratação de funcionários pelo MEI mostra que o programa também pode atuar como vetor de geração de emprego e renda, especialmente em territórios com menor dinamismo econômico, onde o grau de escolaridade é mais baixo e o acesso ao mercado formal é mais restrito. O potencial de impacto do MEI fica ainda mais evidente quando olhamos para os dados do mercado de trabalho. Segundo o CAGED de maio de 2025, as micro e pequenas empresas foram responsáveis por 66,8% dos empregos formais gerados no país, resultado consistente com a série histórica. Ou seja, ao promover o crescimento dos MEIs e facilitar sua capacidade de contratar, podemos ter um ganho em termos de inclusão produtiva, formalização e desenvolvimento econômico local.
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Fonte: Diário do Comércio